Quarta-feira, 29 de Junho de 2011

Viagem ao passado desconhecido

Arrumando papéis, encontro um artigo de 2009, publicado no Notícias Magazine, e que acho interessante partilhar. A visita ao antigo Couto Misto será, com certeza, uma aventura maravilhosa. E um motivo para reflectir nas "tolices" que se fazem e nas opções que, ainda podemos fazer, para valorizar o nosso património.

 

 

 

COUTO MISTO

Durante séculos, existiu uma pequena república na fronteira dos reinos de Portugal e Espanha. O Couto Misto foi, até há 135 anos, um Estado autónomo que é hoje uma parte de Trás-os-Montes e outra de Galiza. Podia ter sido uma Andorra, ou um Mónaco, ou um San Marino mas, por estes dias, não é mais do que um vale desolado onde cabe um punhado de aldeias, duzentas almas e um segredo fechado a três chaves. Agora, há um empresário português que quer resgatá-lo do abandono. E transformá-lo em zona franca.

 

A República Adormecida

 

Texto: Ricardo J. Rodrigues

Fotografia: Hordl Burch/Kameraphoto

Notícias Magazine, 13 de Setembro de 2009

 

 

O vale do rio Salas é profundo, tão sulcado nos montes que, mesmo no Verão, aceita poucas horas de sol. É daquelas paisagens agrestes e ao mesmo tempo húmidas, impenetráveis, íngremes ao ponto de os únicos passos que pisam as suas encostas serem os dos lobos, das cabras selvagens, de um ou outro garrano fugido da manada.
Estamos no Couto Misto, 27 quilómetros quadrados de lameiros e matos bravos entre Portugal e Espanha. O melhor sítio para observá-lo é deste lado da fronteira, numas escarpas a meio caminho entre Tourém e Pitões das Júnias, no concelho de Montalegre. Está-se em Portugal e o que se avista é sobretudo chão galego. Mas, na verdade, até 1864, esta terra não era nem de uns nem de outros.

Três aldeias da Galiza – Rubiás, Santiago e Meaus. Duzentos e poucos habitantes. Um café. Quatro igrejas. Há um pedacinho de solo português, que não é mais do que um declive da serra do Gerês, no alto do qual foi instalado um parque eólico. O Couto Misto é basicamente isto e no entanto foi durante séculos uma república de pastores e rebanhos livres. As coroas portuguesa e espanhola admitiram desde a Idade Média privilégios excepcionais aos mistos até que, no século XIX, as populações votaram em referendo o reino que queriam integrar. Desde então, ovale do Salas foi-se esvaziando e hoje é uma terra envelhecida, comercialmente irrelevante, com muitas casas em degradação e uma infinidade de pastos abandonados. Aníbal Rodriguez Alvarez, 79 anos passados em Rubiás, explica tudo com um exemplo simples: “Desde miúdo até ter barba, a aldeia sempre teve mais de trezentas vacas. Pois bem, hoje são sete.”

Na raia, ainda há velhos que ouviram contar da boca dos avós as histórias do Couto Misto. Dos criminosos que enchiam aquele pedaço de mapa, escondidos da justiça peninsular. Dos terrenos arados em conjunto e de o gado de vários vizinhos sair junto para o monte, pastoreado por uma casa à vez. Dos Conselhos de homens e das eleições dos três juízes, um por aldeia. Do castelo que esteve na origem do Couto e que desapareceu para sempre, sem que ninguém se atreva a adivinhar-lhe a arcaica localização. Dos homens que vinham de fora procurar as noivas mistas, para poderem firmar raízes no terreno. Da arca fechada a três chaves onde se depositavam as leis da república.

 

 

A memória do Couto Misto foi investigada pelas universidades de La Coruña e de Trás-os-Montes e Alto Douro. Graças ao esforço dos historiadores, os limites do terreno estão demarcados, há placas sinaléticas a orientar o percurso do caminho privilegiado – por onde os comerciantes e contrabandistas podiam passar sem ser incomodados por nenhum dos dois reinos -, existe até uma estátua do último juiz de Santiago junto à igreja da terra. Mas muitas placas estão caídas ou em estado de ruína. Os placards informativos estão, na sua maioria, carcomidos pela inclemência climática do vale. O Couto Misto é uma memória cada vez mais perdida na bruma. E é precisamente contra isso que Joaquim Almeida quer lutar.

O director do principal hotel de Montalegre tem duas ideias para o Couto Misto: tornar o território uma zona autónoma em termos energéticos e ambientais e criar uma zona franca, com isenção de impostos para as empresas que aí criassem as suas sedes. “O Estado faz isso com os bancos e
com as grandes empresas. Por que não fazer o mesmo numa região que tem um argumento histórico para que tal aconteça?” Constata que o vale do Salas está cada vez mais desolado e que não seria difícil inverter a tendência. “Já discuti o meu projecto com os autarcas dos dois lados da fronteira e toda a gente acha que pode ser uma boa ideia.” Mas este, sabe-o Joaquim Almeida muito bem, não é um caso de poder local e que esperar pela intervenção de dois Estados pode demorar tempo. Mais uma vez, o futuro do Couto Misto está encaixado entre as vontades de Portugal e Espanha.

 

Na arca, que só abre com as três chaves dos trêsjuízes, guardavam-se as actas dos Conselhos,

 as resoluções unânimes e os documentos históricos

 

 

A arca era a lei

 

Uma imponência de pedra. A igreja paroquial de Santiago tem paredes lisas, com excepção dos vitrais que enrubescem um altar opulento, talhado do chão ao tecto em dourado. Tem um enorme crucifixo ao centro, uma figura de São Tiago à direita e uma Senhora do Pilar à esquerda. Mas o que é verdadeiramente surpreendente é que, galgando o púlpito e contornando o altar, se encontra uma escadaria, invisível aos olhos dos fiéis, que desce até uma câmara escondida no subsolo. Nessa cave, um espaço bafiento e mal iluminado, existe uma relíquia, uma arca antiga, de madeira de carvalho e com três fechaduras.

Dentro dessa arca estão reunidos os principais documentos que garantiram durante séculos a autonomia ao Couto Misto. Cartas dos reis de Portugal e Espanha. Mas também as actas de todas as resoluções tomadas pelos juízes da lei, os representantes eleitos de cada aldeia e governadores do Couto Misto. Esse cargo continua a existir, embora hoje tenha um papel meramente simbólico. Mas, tal como no passado, cada um dos três homens tem em seu poder uma das chaves que abrem a arca. Só as três chaves conseguem abrir o baú. O mesmo é dizer que nenhuma resolução era tomada se não fosse por unanimidade.

Cesário Gonzáles anda de roda de um tractor, nuns terrenos a norte de Santiago, a pôr estrume no pasto. É domingo e o juiz da lei da terra tem de se despachar, porque depois do almoço tem encontro marcado com José Pérez, seu homólogo em Rubiás. Sérgio Alvárez, o de Meaus, anda por Madrid a visitar os filhos e vai ter de faltar à reunião, o que significa que nenhuma decisão será por ora definitiva. Mas, na verdade, os homens não têm assuntos urgentes para debater. A única novidade é que a mulher de Cesário anda a costurar uma nova bandeira do Couto Misto, que a actual está mais podre do que uma árvore morta. O desenho é o mesmo de sempre: três estrelas dispostas em triângulo e no centro um brasão com três fechaduras.

“Trouxeste a capa, José?”, pergunta Cesário mal estaciona à porta de casa do amigo. O outro acena que sim – um cancro na laringe roubou-lhe a fala, mas estes homens conhecem-se tão bem que não precisam de palavras para conversar. Rumam a Santiago, a antiga capital do Couto Misto. “Além de estar no centro das três aldeias, é a que tem a maior igreja”, explica o juiz do pueblo enquanto desembrulha uma capa preta e a coloca sobre os
ombros. Na lapela, estão bordadas a vermelho as três chaves. “Meaus era a aldeia mais comercial, e hoje ainda é, porque tem um café. E Rubiás era a porta de entrada no Couto, porque está muito perto de Tourém, que é de Portugal, e de Randim, que sempre foi espanhola.”

Nas aldeias ainda há várias casas com um P, um E ou um X, esculpido na pedra, por cima da porta. As famílias decidiam se queriam ter nacionalidade portuguesa, espanhola ou mista (mixta, em galego) de uma maneira muito simples: no dia do casamento, o homem tinha de fazer um
brinde a um dos reis, diante de todos os vizinhos. A maioria, no entanto, não brindava e marcava o X na parede porque, em caso de delito, seriam julgados pelos três juízes do Couto. “A prisão era aqui, no forno do povo”, e Cesário aponta uma ruína de pedra invadida pelas silvas. “Os ciganos eram logo detidos, sem acusação nenhuma. Por isso é que existia um vigário de mês, que era um cargo de rotatividade mensal entre os homens do Couto, com função de vigiar o caminho privilegiado.”Siga-se então pelo caminho privilegiado. Parte de Tourém, atravessa Randim e cruza todo o Couto Misto. Apesar de percorrer os três territórios, as autoridades portuguesas e espanholas não podiam intervir
no trilho, mesmo que o viajante fosse perseguido por algum crime ou levasse contrabando. São seis quilómetros de liberdade, ladeados por carvalhos e
atravessados pelos pequenos afluentes do Salas. Alguns cruzeiros marcam-lhe a passagem. Joaquim Almeida, o empresário que quer tornar o Couto Misto uma zona franca, brinca dizendo que é uma espécie de via-sacra, “mas para o livre comércio e circulação”. Os mistos eram europeus antes de existir uma União. Em suma, uns visionários.

 

 

O país da memória

 

Entre Meaus e Santiago há um enorme lameiro, a que toda a gente chama “a veiga”. Foi ali que o povo do Couto Misto votou a integração na coroa espanhola, em 1864. O referendo foi cumprido segundo as leis do Couto. Um voto por família, de cajado no ar. Muitos queriam ficar do lado português mas “desde logo ficou decidido que as três aldeias haveriam de permanecer juntas, para preservar a identidade”, conta Cesário. Outras aldeias da raia passaram pelo mesmo processo, já que as linhas de demarcação fronteiriças eram ténues até ao século XIX. E, na verdade, só uma povoação escolheu ficar do lado de Portugal. É por isso que, olhando para o mapa, Tourém parece ficar na ponta de um dedo, rodeado de Galiza. Os mistos, esses, optaram por Espanha. Mas uma parte do antigo território, a encosta do Gerês, passou para as mãos de Lisboa.

“Os lameiros na zona de fronteira sempre foram pastados por vacas galegas e barrosãs”, garante Bento Barroso que, aos 87 anos, puxa dos galões de uma vida inteira passada em Tourém, a traficar contrabando entre Portugal e Espanha. “Ninguém conhece aquela zona tão bem como eu.” Seja. Durante décadas, o homem usou o caminho privilegiado (que já não oferecia outro privilégio senão o de um certo recato e do difícil acesso às autoridades) e os terrenos do que um dia foi o Couto Misto para carregar volfrâmio, azeite, bacalhau. A encosta do Gerês, que foi mista e hoje é portuguesa, nunca deixou de ser usada pelos rebanhos de Rubiás e Santiago. “Os de Meaus não, que esses estão mais longe.”

Na aldeia de Rubiás estão três velhos a imitar os lagartos. O sol presta-se a desaparecer, mas eles resistem até cair o fresco e a noite. Pastores durante
toda a vida, sempre levaram as vacas para Portugal e, garantem, aos olhos dos mistos a fronteira nunca deixou de ser um marco pouco natural. “Há quantos anos ninguém me perguntava pelo Couto Misto”, constata Enrique Veloso. “Sabe, o meu avô falava desses tempos, mas a partir dos anos 1930 foi uma conversa proibida, porque havia a Guerra Civil e esse assunto ia contra a unidade nacional.” “Ia contra o cabrão do Franco, essa é que é essa”, riposta logo Aníbal Alvárez, sentado num caixote e apoiado numa bengala, boina galega a cobrir a cabeça calva. “Em minha casa sempre me disseram que eu era misto, que o meu pai era revolucionário.”

E o pai dizia-lhe que, mesmo não sendo do seu tempo, ouvira as histórias dos homens que vinham de fora casar e estabelecer-se. “O meu avô falou de muitos assassinos espanhóis que vieram para aqui esconder-se, a pensar que não lhes acontecia nada”, começa José Rodríguez. “Mas vinham todos enganados, porque com um crime desses aos ombros eram logo recambiados para Espanha. Ou para Portugal, se fossem portugueses.” E gostariam de voltar a ser mistos, como antigamente. “Rapaz, nós somos mistos, sempre fomos”, Aníbal outra vez. “Na nossa terra, mandamos nós.”

 

Bento Barroso usou durante décadas o que um dia foi o caminho privilegiado para traficar contrabando

 

O terramoto de Lisboa destruiu os arquivos da fundação do Couto Misto e os primeiros relatos escritos datam do século XIII. Estas eram as terras da
Piconha, incluíam as três aldeias do Couto, mais Tourém e um castelo construído no Gerês, cuja localização exacta permanece uma incógnita. É certo que D. Manuel I mandou reconstruir a fortaleza em 1515 e que, três anos mais tarde, as populações de Rubiás, Santiago e Meaus se sublevaram contra o governador local, António Araújo, por causa da imposição de imposto no caminho privilegiado. O corregedor de Riba Côa, António Correia, e o alcaide-mor da Galiza, José Escalante, condenaram o governador português do castelo da Piconha e também o espanhol do vale do Salas, e acordaram que, a partir desse momento, o povo misto teria o direito a privilégios de autonomia para não ser vítima de novos abusos.

Até ao século XIX, a pequena república de pastores manteria as suas regras medievais inalteradas. Em 1810, a Junta de Armamento do Reino da Galiza recebeu uma carta do prior de Celanova, que está guardada no Arquivo Histórico da Província de Ourense, acusando o território do Couto Misto de acolher um “número infindável de moços fugidos à tropa e de criminosos de toda a espécie”. E essa queixa desencadeou o processo que levaria ao fim do Couto Misto, com a assinatura do Tratado de Lisboa em 1864.

 

Joaquim Almeida quer um estatuto de excepção fiscal no Couto Misto

 

 Hoje, o vale do Salas esqueceu a história dos homens e regressou ao seu estado primitivo, o de uma criação esmerada da natureza. É uma república esquecida, uma Andorra que nunca o chegou a ser. E, no entanto, ao falar com um grupo de velhos, homens nomeados juízes, contrabandistas ou empresários, percebe-se que a mística dos mistos ainda não sucumbiu totalmente. É o fim da tarde, o sol presta-se à despedida e inunda agora o vale do Salas de um tom dourado. Escalam-se as fragas a meio caminho entre Tourém e Pitões das Júnias, aquelas que garantem a melhor vista do Couto. E nessa altura, no exacto momento em que uma águia plana majestosamente ao longo do rio, percebe-se que a fúria de fronteiras e a cobiça territorial acabaram com um país para construir, no lugar dele, coisa nenhuma.

 


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Sexta-feira, 6 de Fevereiro de 2009

A OCULTAÇÃO

 

Reinado de D. Afonso II (1211-1223): o rei – que convoca as primeiras cortes de que há notícia no país – inicia uma política de centralização inspirada no direito romano: tudo e todos (incluindo o próprio soberano) devem estar subordinados à lei e à coroa, ou seja, ao Estado. É uma ideia singularmente moderna e praticamente desconhecida na Europa feudal.
Reinado de D. Dinis (1279-1325): ao contrário do que sucede em boa parte da Europa continental, os cavaleiros templários, perseguidos pelo Papa e pelo rei de França, são protegidos pelo rei de Portugal, que para eles cria a Ordem de Cristo.
Segue-se 1383-1385: eclosão e triunfo em Portugal de uma revolução que coloca o país na vanguarda da evolução política e social europeia.
Podia continuar com estas “viagens”, mas não será preciso. Importa, agora, verificar que todos os factos apontados, por significativos e importantes que sejam, e são, se mantêm larguissimamente ignorados dos europeus em geral e até mesmo os portugueses não os conhecem bem – bastará dizer que hão-de conhecer muito melhor o número de calos nos pés de Cristiano Ronaldo.
 
 
 
Chegados aqui, vamos considerar brevemente um texto de Gilbert Durand, um conhecido e respeitado autor francês, filósofo, antropólogo, estudioso do imaginário e da mitologia. Num texto apresentado em 1987, num colóquio em Nova Deli, Durand referia a “estranha ocultação” da importante presença em Portugal das teorias do famoso abade calabrês Joaquim de Flora (1132-1202) – que, apesar de terem sido condenadas pela Igreja, tiveram entre nós grande aceitação, pois que delas se originou o culto popular do Espírito Santo, que ainda hoje tem manifestações em Tomar, Sintra e Açores. Gilbert Durand espanta-se porque nenhum dos grandes especialistas europeus sobre o assunto, de René Guénon ao padre Henri de Lubac, mostram conhecer o “caso português”.
Ora bem: essa lacuna não me espanta, a mim, que já conheço as que atrás referi e muitas outras ainda. De certo modo, os países pequenos sofrem essa desatenção: para a maior parte das pessoas, César Franck, André Cluytens e Johnny Hallyday (!) são franceses, quando, na realidade, são belgas, pelo menos de origem.
A França, note-se, também nacionalizou unilateralmente Vieira da Silva. E a verdade é que, com Portugal, a amnésia ou a ignorância do mundo são piores; porque o que conta no mundo é o poderio económico e/ou militar e assim só as grandes potências têm estrelas no seu firmamento.
Todavia, eu pergunto-me: serão hoje estas duas razões, pequenez de território e fraqueza económico-militar, as únicas, para nós? Quer-me parecer que não. A verdade é que estamos em período de autonegação e de masoquismo endémico; para além da selecção nacional de futebol, nada nos entusiasma e a nossa afirmação como povo e país parece-nos coisa ridícula ou, pior, fascista.
Claro, se assim fosse, toda a Espanha seria fascista e o mesmo, ou mais, seria verdade para os Estados Unidos.
Mas o mais grave de tudo, julgo eu, é que os méritos que apontei e que o mundo ignora sobranceiro – também nós os ignoramos. Não que sejamos sobranceiros: apenas ignorantes.
 
 
João Aguiar, Viagens na História
[Tempo Livre/Fevereiro 2009]

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Sábado, 6 de Dezembro de 2008

O italiano que ama Pessoa

 

 

No congresso de Fernando Pessoa, no final de Novembro, Mariano Deidda estava lá. Reconheceram-no e chamaram-no para o cumprimentar. Nos intervalos, tocaram música sua. Fernando Pessoa cantado em italaiano, com uma música que anda entre o jazz e a contemporânea. O que faz deste homem de estatura mediana, cabelo encaracolado e olhar vivo um arauto do grande poeta português?

Nascido na Sardenha, foi na juventude que o leu pela primeira vez: "Pessoa é o amor da minha vida. Era muito jovem quando o descobri e, encontrar-me com uma obra tão forte como a do Livro do Desassossego, foi como se tivesse as mãos a tapar os olhos e, de repente, os destapasse. Pessoa abriu-me os olhos. E comecei a ver o mundo de outra maneira. Do Livro do Desassossego passei a todos os outros e percebi então o universo pessoano."

Desde 2001, já gravou três discos com canções sobre poemas de Pessoa e vai gravar mais, agora, com a Mensagem. [...]

 

Há dois anos, Deidda foi a Beirute, ao Festival do Poema Cantado. Portugal não tinha representação, mas quando chegou a vez dele apresentaram-no como representando dois países, Itália e Portugal. Nos libretos, os libaneses traduziram para árabe um pequeno poema de Pessoa (ele mostra o papel com orgulho).

"Em Itália, Pessoa está a tornar-se um gigante. Já há 31 cátedras de literatura portuguesa, enquanto há quinze anos havia apenas três. Qualquer coisa está a mudar. Tabucchi abriu uma porta muito importante para Pessoa, claro. E eu abri outra, muito grande, que é e da música. Em Itália, dou centenas de entrevistas a rádios, televisões, jornais. Onde falo sempre de Pessoa e de Lisboa. Porque, embora cante Pavese, eu sou o cantor de Pessoa."

 

"Gosto de dizer às novas gerações, porque há cada vez mais jovens nos meus concertos, que leiam Pessoa. Porque a mensagem que ele deixou é muito positiva. A coisa mais importante que a humanidade deve entender é a capacidade crítica. E as novas gerações, que não têm consciência crítica, talvez a ganhem ao lê-lo. Digo o mesmo a professores universitários: leiam Pessoa."

O merchandising em torno do poeta não o escandaliza. "A poesia dele não fica menor por causa disso. O ser humano mais comercializado do mundo é Jesus Cristo mas ninguém se escandaliza com isso. Por que não Pessoa? Pessoa é um génio. O importante é que ele seja conhecido por toda a gente, em todo o mundo." E será o maior poeta universal daqui a dez anos, garante Deidda, com toda a convicção.

 

Sexta [5.Dez.2008]

 


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Quarta-feira, 9 de Julho de 2008

A Educação e o Futuro do País

Mesmo sem autorização do autor, não resisto a publicar este texto que considero uma óptima base de reflexão. Talvez para repensar a educação das nossas crianças e jovens. Por eles e por todos nós.

 

 

O futuro é negro. 4 de Julho.
A qualidade da nossa linguagem determina a qualidade do nosso pensamento. Não é opinião minha. É a opinião, praticamente unânime, da ciência linguística moderna. Mas se a sapiência dos académicos não chegar, que tal a simples observação? Não é claro que o nível de literacia cai de ano para ano? Não é também claro que os petizes ficam, de geração para geração, mais ignorantes e bestiais? Não é sabido que lêem cada vez menos e cada vez pior, que falam e escrevem mal e, consequentemente, pensam ainda pior do que lêem? Não é óbvia a relação de causa e efeito? Ou precisam de exemplos concretos? Eis alguns, de memória: Hi5, Myspace, MSN, trance, techno, house, electro, lounge, hip-hop, chill out, Tokio Hotel, Buraka Som Sistema e Amy Winehouse. E a obsessão pelos telemóveis e todas as suas particularidades irritantes, que desperta em mim sentimentos pouco cristãos (imagino, com prazer, sodomizar meninos e meninas com os seus aparelhos preferidos). Para quem gosta de evidências, que tal a própria cultura juvenil como evidência? Não é prova mais explícita da imbecilidade reinante entre os petizes?
Mas se ainda não acredita que o QI médio da população escolar não ultrapassa o neanderthal, convidemos as evidências «duras». Segundo a Lusa, a média dos exames de Português do 12º tem vindo a decrescer: dos 11,6 em 2006, para os 10,8 de 2007 e para os 9,7 de 2008. Em dois anos, o nível de literacia desceu quase dois valores. Mas o que são dois valores? Ninguém entraria em alarme se a média descesse de um 18 para um 16, ou de um 16 para um 14. Mas o facto de ter descido abaixo dos dez assusta, não assusta? Não devia. Pelo menos não devia causar mais susto, ou susto diferente, dos 11,6 de 2006. Afinal, isso quer dizer que a compreensão e a expressão do português estavam no limite do aceitável. E que hoje estão ligeiramente abaixo do aceitável. Não houve mudança de fundo. Houve, somente, continuação: o lento e fatal afundar do barco.
Os jovens aprendem a pensar com o comando na mão, através de programas desenhados para entreter símios, capazes de apodrecer a mais saudável das massas cinzentas. São jovens que não lêem, e que por isso recebem toda a informação através de um televisor. Os pais não têm tempo para educar os filhos e construir uma carreira e, obrigados a escolher uma das duas, optam normalmente pela segunda. As escolas, não educam: aviam. De ano para ano os níveis de exigência diminuem, e mais meninos chegam ao ensino superior sem saber nada sobre coisa nenhuma, completa e absurdamente iletrados. As escolas, o ministério da educação e, por fim, o país fazem boa figura perante a Europa. Todos ficamos satisfeitos por termos permitido chegar ao ensino superior alunos que não deviam ter passado da quarta classe. O país, porém, continua na pia, à espera da descarga fatal.
E a descarga fatal virá, quando as gerações de analfabetos que nos empenhámos em produzir forem adultas. Porque se as crianças são mesmo o futuro, então o futuro é negro.
Rui Miguel Brás, in Blogue  Orquestra do Tambor Flutuante

publicado por adormirnaforma às 17:08
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Quarta-feira, 28 de Maio de 2008

Revista Nova Águia

Se se interessa por este tema, pode consultar o meu

Blogue LUAR DE JANEIRO:

 

http://luardejaneiro.blogs.sapo.pt/49659.html

http://luardejaneiro.blogs.sapo.pt/50268.html

 

 

 

Manifesto da Revista Nova Águia

 

 

3. Morte e refundação de Portugal
Portugal vive um período de morte, que pode ser ou não de ressurreição. O nosso finisterra é hoje um novo Finis Patriae, como na visão de Guerra Junqueiro. O enfeudamento do estado português aos grandes poderes políticos, económico-financeiros e culturais dissolve-nos efectivamente noutras áreas de influência e soberania, preservando-nos apenas uma independência formal, para logro dos ingénuos.
Esta morte é também a da evidente indiferença, descrença e desorientação a respeito do sentido e destino da nação, mais visivelmente traduzido no alheamento e descrédito da grande maioria dos portugueses em ralação à classe política, que faz com que a abstenção seja enorme, as eleições ganhas e os governantes eleitos por maiorias francamente minoritárias em relação à totalidade da população, o que não deixa de questionar a sua legitimidade real. Há um fosso crescente entre os cidadãos e os seus supostos representantes, entre governantes que parecem apenas perseguir objectivos pessoais de poder, ou ser meros gestores e funcionários do sistema, e as nossas legítimas aspirações a termos nos postos de decisão pessoas realmente empenhadas no bem comum e com ideias de rumos mais dignificantes a dar à nossa vida colectiva.
Depende de todos nós que esta situação se altere. Portugal necessita de um grande desafio colectivo, que assegure o sentimento de solidariedade cívica sem o qual uma nação não pode existir e que não pode reduzir-se aos entusiasmos fugazes da expectativa de proezas futebolísticas. Há que refundar Portugal: “baralhar e dar de novo”, como dizia Agostinho da Silva.

publicado por adormirnaforma às 16:35
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Terça-feira, 27 de Maio de 2008

POEMA DA MALTA DAS NAUS

 

 

Lancei ao mar um madeiro
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do Sol.
 
Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo,
pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.
 
Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias,
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.
 
Chamusquei o pêlo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me as gengivas,
apodreci de escorbuto.
 
Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão. Bati-me,
outras mil me levantei.
 
Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.
 
Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.
 
Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.
 
O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.

 


publicado por adormirnaforma às 17:02
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