(13 de Junho de 1888-30 de Novembro de 1935)
Última fotografia, tirada por Augusto Ferreira Gomes
O Quinto Império
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!
Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz -
Ter por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.
Grécia, Roma, Cristandade,
Europa - os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu Dom Sebastião?
Fernando Pessoa, in Mensagem
Carlos Alberto Santos: O Mostrengo
No congresso de Fernando Pessoa, no final de Novembro, Mariano Deidda estava lá. Reconheceram-no e chamaram-no para o cumprimentar. Nos intervalos, tocaram música sua. Fernando Pessoa cantado em italaiano, com uma música que anda entre o jazz e a contemporânea. O que faz deste homem de estatura mediana, cabelo encaracolado e olhar vivo um arauto do grande poeta português?
Nascido na Sardenha, foi na juventude que o leu pela primeira vez: "Pessoa é o amor da minha vida. Era muito jovem quando o descobri e, encontrar-me com uma obra tão forte como a do Livro do Desassossego, foi como se tivesse as mãos a tapar os olhos e, de repente, os destapasse. Pessoa abriu-me os olhos. E comecei a ver o mundo de outra maneira. Do Livro do Desassossego passei a todos os outros e percebi então o universo pessoano."
Desde 2001, já gravou três discos com canções sobre poemas de Pessoa e vai gravar mais, agora, com a Mensagem. [...]
Há dois anos, Deidda foi a Beirute, ao Festival do Poema Cantado. Portugal não tinha representação, mas quando chegou a vez dele apresentaram-no como representando dois países, Itália e Portugal. Nos libretos, os libaneses traduziram para árabe um pequeno poema de Pessoa (ele mostra o papel com orgulho).
"Em Itália, Pessoa está a tornar-se um gigante. Já há 31 cátedras de literatura portuguesa, enquanto há quinze anos havia apenas três. Qualquer coisa está a mudar. Tabucchi abriu uma porta muito importante para Pessoa, claro. E eu abri outra, muito grande, que é e da música. Em Itália, dou centenas de entrevistas a rádios, televisões, jornais. Onde falo sempre de Pessoa e de Lisboa. Porque, embora cante Pavese, eu sou o cantor de Pessoa."
"Gosto de dizer às novas gerações, porque há cada vez mais jovens nos meus concertos, que leiam Pessoa. Porque a mensagem que ele deixou é muito positiva. A coisa mais importante que a humanidade deve entender é a capacidade crítica. E as novas gerações, que não têm consciência crítica, talvez a ganhem ao lê-lo. Digo o mesmo a professores universitários: leiam Pessoa."
O merchandising em torno do poeta não o escandaliza. "A poesia dele não fica menor por causa disso. O ser humano mais comercializado do mundo é Jesus Cristo mas ninguém se escandaliza com isso. Por que não Pessoa? Pessoa é um génio. O importante é que ele seja conhecido por toda a gente, em todo o mundo." E será o maior poeta universal daqui a dez anos, garante Deidda, com toda a convicção.
Sexta [5.Dez.2008]