
1.Chegou-me, de Roma, enviado por mão amiga, o livrinho “La lingua altra, Una autobiografia in forma di intervista”, que ressuscita a voz de uma grande lusitanista, Luciana Stegagno Picchio, desaparecida há pouco. Alessandra Mauro, condutora desse apaixonante e precioso diálogo, realizou um trabalho perfeito. Quem conheceu a mulher extraordinária, professora universitária qualificadíssima e ensaísta criadora, capaz de se libertar das baias académicas; privou com Luciana e a ouviu dissertar, magistral e claramente, sobre Cultura; seguiu o seu trabalho, a paixão pela nossa língua e pelos nossos autores –guarda na memória e no coração uma lembrança comovida e grata. Ela ensinou, defendeu e divulgou, excelentemente, a Literatura Portuguesa. Apoiou autores, apresentou-os ao público italiano e esteve por detrás de muitas traduções de poetas e novelistas lusitanos. Era uma pessoa sedenta de vida e de conhecimento. Inteligente e sensível. Os seus olhos admiráveis -porque também era uma mulher bela- queriam abarcar e entender tudo. E aceitavam tudo e todos. A lição socrática marcava o seu convívio.
2.Este texto fez parte de um volume editado pelo Instituto Camões, em 2001: “A língua outra –Uma fotobiografia”. Verdade se diga, Portugal soube reconhecer o muitíssimo que lhe deve. Mas, agora, quando a recordo e já não posso conversar com ela, o voluminho muito cuidado, na língua original, com três fotografias que a fixam tal qual foi, toca-me de modo especial. Porque ela me deu muito: amizade e sabedoria e a reencontro, viva, irónica, tolerante. Superior.
Manuel Poppe, O Outro Lado
Jornal de Notícias [23.Nov.2008]